quinta-feira, 21 de julho de 2011

Fazendo imagens com vídeos dos outros (ou: generative video painting)


No melhor estilo corta-e-cola, o artista espanhol Sergio Albiac monta imagens artísticas usando pedaços de vídeos de outras pessoas. Ele montou o que ele mesmo chama de generative video painting ou, em espanhol, pintura video generativa. Circulando por diferentes áreas artísticas e usando o computador como ponto-de-partida, chega a resultados interessantes e bastante inovadores. Na sua página, fala mais sobre como vê o processo de criação:

Meu processo de criação habitual se caracteriza por escrever programas de computador que gerem imagens. Uma vez que a idea se transforme em código de computador, busco e seleciono os resultados visuais que melhor expressem meu tema. Às vezes, essas imagens geradas são o trabalho final e em outras, utilizo os programas como uma espécie de caderno de rascunho para visualizar os conceitos antes de pintar um quadro. Como dou muito valor à liberdade de expressão artística, não me sinto obrigado a me limitar a um único meio ou estilo. Por isso utilizo meios tradicionais ou "new media" para expressar minha visão artística.

O método de pintura gerada por vídeos, que ele criou, consiste em se apropriar de muitos trechos diferentes de vídeos disponíveis no Youtube e combiná-los, como se fossem códigos de computador, para chegar a uma imagem específica. O resultado pode lembrar a fragmentação do cubismo ou o sentido simbólico da pop art.

Veja abaixo as duas imagens criadas até hoje por ele, que usam vídeos genéricos ou sem muita importância (são os vídeos mais populares do Youtube em um dado momento) para criar a imagem da rainha da Inglaterra e da Marilyn Monroe (o que lembra as imagens de Andy Warhol). Para formar a imagem de forma mais clara, abstraindo um pouco mais os detalhes em vídeo, recomendo fechar os olhos, deixando uma pequena fresta, ou afastar bastante do monitor. O exercício de perceber uma coisa ou outra é bem interessante.





Me parece especialmente interessante as possibilidades e o alcance que o experimento pode gerar. Usando pequenos pedaços de diferentes vídeos, você está dando destaque não só à imagem final como também a esses pequenos pedaços, muitas vezes identificáveis. Ele descreve e valoriza a ideia de que ele utiliza o banal para criar algo majestoso (o vídeo genérico do Youtube criando a imagem da Rainha da Inglaterra, por exemplo). Jogando com essas variáveis ele poderia ser ainda mais provocativo (efetivo?) se, por exemplo, usasse vídeos pornôs, imagens de violência, símbolos do punk (que já atacaram a imagem da rainha) ou qualquer coisa do tipo para criar a mesma imagem. Acaba fazendo nos dois casos uma composição mais cromática que poderia ser também política. Mas abre todas essas possibilidades em um exercício de bom resultado, que brinca com edição de vídeo, que é a graça da coisa.

Ps. O blog Musicapavê, amigo deste, também fez um post recentemente falando sobre artes feitas com composições de imagens e objetos, relacionadas ao universo musical. Cita ali também Andy Warhol e mais: Vik Muniz, Mr Brainwash (do genial documentário Exit Through The Gift Shop) e Sandhi Schimmel (clique AQUI para ler). Depois de ver os dois casos, é interessante imaginar como ficariam as imagens mostradas ali, feitas com a lógica de vídeo do Sergio Albiac, não acham?
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Atualizado em 22/07
Perguntei para o Sergio Albiac no Vimeo o que ele pensaria sobre usar um mesmo tipo de vídeo como base para as imagens. Eis a resposta:

"Muito obrigado Ricardo. Tengo control total de los videos que elijo, no tanto de las secuencias que se utilizan. En este caso, los videos populares de internet de un instante dado eran adecuados para el significado que buscaba. Otros videos de origen conllevarían otros significados - como los que apuntas tu. Y sí, sería provocativo, como ha explorado Jonathan Yeo en sus collages, por ejemplo"

Sim, o que eu pensava era mesmo parecido com o trabalho do tal Jonathan Yeo, que eu não conhecia (obrigado, Sergio). A coleção Porn in the USA é exatamente isso. Clique AQUI para ver as obras na página oficial dele. Recomendo!

terça-feira, 12 de julho de 2011

Ida Maria e Cults: Oh my god!

Ida Maria e Cults

Mais um videoclipe para a série "grave qualquer coisa e depois tente criar um videoclipe bacana na edição". É o que faz a norueguesa Ida Maria (que apesar de nova sempre me lembra os nomes de duas avós que fazem parte da minha família) para o videoclipe Oh My God. É só a banda tocando, em um espaço genérico. Mas o videoclipe tem umas tantas sacadas de edição, que fazem a graça da coisa. Saca só.



Oh my god é também o nome de uma música dos Cults, banda novaiorquina que lançou não faz muito tempo seu primeiro álbum e já chama alguma atenção (não confundir com o gótico e oitenteiro The Cult). A música faz parte do Adult Swim Singles Program, que disponibiliza para download uma música por semana de artistas alternativos, patrocinado pela Kia, associado à franquia do Cartoon Network (você pode baixar música e disco no canal deles). O programa também é responsável pelo videoclipe, simples mas interessante (alguns poderiam dizer que é fofo), mas sem lá muitas ideias interessantes em relação à edição.



Outro clipe dos Cults já tem ideias mais interessantes de edição e é feito com uma produção mais elaborada: o vídeo para a música Abducted, primeira faixa do disco, mistura situações surreais, composições simples de imagens e temática próxima ao universo de David Lynch - estradas, personagens e situações estranhas, neblinas, alusões a sonhos, morte, etc.

Lembra também o videoclipe do The Dodos para a música Companions (que você viu AQUI). Confira abaixo.


segunda-feira, 4 de julho de 2011

O filme do Gainsbourg, Joann Sfar e porquê os cartunistas um dia revolucionarão o cinema

Estreia nesta sexta-feira o filme "Gainsbourg - O Homem que amava as Mulheres", dirigido pelo cartunista Joann Sfar. Antes de tudo uma ressalva: me parece descabido (como sempre acontece) a tradução do título. No lugar de vida heróica colocaram o homem que amava as mulheres, emprestando o título do filme do Truffaut de 1977 para ampliar o apelo sexual que o filme tem, contando que a estratégia pode garantir mais entradas (e mais dinheiro). Sai o herói, entra o mulherengo. Sai o cartunista e músico de sucesso, com carreira brilhante, entra o cara (sortudo) que ficou com duas das mais belas mulheres da história recente: Brigitte Bardot e Jane Birkin.



Pois é com maestria que Joann Sfar, em sua estreia cinematográfica, consegue retratar todos esses lados da mesma pessoa, de forma leve, descontraída, sem se levar muito a sério (o que tem a ver, penso, com o jeito como Gainsbourg encarava todas as coisas). Não é a história oficial e verdadeira de Gainsbourg (como o diretor faz questão de anunciar no filme), senão uma interpretação livre e criativa de algumas das histórias relacionadas a ele, "um dos maiores artistas do século XX, que reinventou a música e o amor", como descreve o (belo) trailer.

Mas onde o filme mais acerta (pode deixar, sem spoilers aqui) é na mistura de linguagens e no uso criativo de muitos elementos narrativos. É como se o Gainsbourg pessoa fosse evoluindo junto ao Gainsbourg personagem, dialogando ação e imaginação durante todo o filme.

Isso acontece porque Sfar é um cara de imagens (é cartunista) e sabe dos potenciais narrativos na hora de contar uma história (em um e outro meio). Vai inclusive pelo caminho inverso da maioria das histórias baseadas em HQs: se a franquia X-Men se esforça mais a cada filme em parecer real e verossímil (o que fica ainda mais claro com esse First Class), usando os efeitos para provar o que só existia na nossa imaginação, no filme de Gainsbourg, efeitos, animação e uso de marionetes estão ali para sugerir, fantasiar e dialogar com a história que está sendo contada, ampliando seu potencial narrativo. Em um texto extremamente interessante de seu blog Sfar comenta seu processo criativo, mostrando como as duas coisas, ilustração e texto, quadrinhos e cinema, estão associados no seu trabalho (e como acaba usando um, mesmo quando está fazendo o outro). Como na frase (o blog está todo em francês e inglês):

"I also like this eternal feedback loop when shooting the movie, when I go back to my water-colours and draw a live actor being an imaginary character. (...) Building a narrative by opposing drawings and actor’s words, by making them dance together, is an inexhaustible source of inspiration."
(Trad.: Eu sempre gosto deste eterno vai-e-vem quando dirijo um filme, quando eu volto para a pintura e desenho um ator sendo um personagem imaginário. (...) Construir uma narrativa opondo desenhos e palavras dos atores, fazendo com que elas dancem ao mesmo tempo, é uma inesgotável fonte de inspiração)



Não por acaso seu novo filme (que estreou agora na França) é o desenvolvimento de uma das suas obras mais famosas. Desenvolvimento, já que: "I hate those stupid ideas like 'a movie based on a comic album'. When you create both yourself, it’s the same work." (trad.: Odeio estas ideias estúpidas como 'um filme baseado numa HQ'. Quando você cria as duas coisas, é o mesmo trabalho.") Le chat du Rabbin (ou o gato do rabino) é uma historia que ele começou em 2002 e que agora chega aos cinemas com o mesmo traço característico. Abaixo o trailer (em francês).



Acho (ou torço para) que um dia o futuro do cinema pode vir também desses caras (me interessa especialmente esses casos); de pessoas que pensem o cinema de forma mais ampla, que misturem linguagens, que joguem com novos elementos, que misturem realidade, imaginação, sonho, etc. de forma que faça sentido (ou que seja ao menos atraente) e/ou fique visualmente interessante. As histórias em quadrinho jogam há muito tempo com algumas dessas ideias (falei mais disso aqui); é ver quando elas podem também chegar ao cinema de forma mais efetiva. O filme do Gainsbourg já é um desses exemplos. Fico imaginando o que Laerte, Angeli, Adão e Gonsales e, na América Latina, Quino, Liniers e Montt, para citar só alguns, poderiam contribuir ao nosso irregular (e às vezes pouco criativo) cinema.