terça-feira, 29 de março de 2011

Conheçam JT, o macaco-editor

"Até um macaco conseguiria editar este filme?"

Conseguir, agora sabemos que sim (o que pode ser uma ótima notícia, inclusive). Eis abaixo um "criativo" vídeo de surf editado por JT, o chipamzé. Segundo a descrição do vídeo, eles "deram os controles do Final Cut Pro para o animal e ele rapidamente dominou o processo de edição. JT prefere cortes rápidos e som ambiente".


O que eles não comentam é quanto tempo JT demorou para exportar o vídeo e fazer o upload para o Youtube. Como toda pessoa sabe, o trabalho de um editor de vídeo é 10% a edição em si e 90% brigas com codecs, renders, definição de formatos de captação vs. formatos de edição, problemas com o final cut que cai toda hora e coisas do tipo.

Em muitos casos desse nosso monótono cinema e de nossa velha e pobre televisão, acho que podíamos deixar JT editando e chamar um editor só depois, para subir para o Youtube ou passar para a fita. Fica a dica.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Os geniais efeitos visuais de Cisne Negro (contém spoilers, já aviso)

Você não se perguntou durante o Cisne Negro onde infernos estariam as câmeras (e todo mundo que trabalha ao lado dela) naqueles muitos planos no salão de ensaio, cheio de espelhos? Ou não se perguntou se era mesmo a Natalie Portman que dançava aquilo tudo? Ou mesmo, como eles faziam todos aqueles efeitos da "transformação", que conseguiam ser ao mesmo tempo artísticos e realistas?

Pois aí está um belo vídeo de making of para nos ajudar.



O legal do vídeo é que mostra o truque cinematográfico ao mesmo tempo que mostra como a mensagem foi ampliada por essas muitas camadas feitas em pós-produção (como no caso do belíssimo plano da tatuagem de asa, por exemplo). Como falado no post anterior sobre a série In Treatment, esse tipo de coisa (como imaginar onde estaria a câmera em muitos planos, por exemplo) pode não ser imaginado ou mesmo cogitado por um espectador comum, mas serve para ampliar a reflexão sobre as imagens e gerar novas possibilidades narrativas. Ainda mais no caso do Cisne Negro, em que a história da bailarina e a interação com o instrutor de ballet (vivido pelo genial Vincent Cassel) apontam claramente para a relação da atriz com a personagem (que em alguns casos pode consumir demais a pessoa que interpreta, que começa a confundir os "papéis" - como no caso Heath Ledger/Coringa, imagino); e na relação própria entre a atriz e o diretor, que às vezes joga com o psicológico da atriz para alcançar o resultado desejado.

A pós-produção e montagem ajudaram no caso do filme a expandir essas possibilidades, jogando novas "camadas" de profundidade em uma já profunda história.

Ps. pros que se interessarem em ampliar o conhecimento sobre o filme, recomendo ver no Youtube uma longa entrevista (de quase UMA HORA de duração) com o diretor de fotografia Matthew Libatique, o montador Andrew Weisblum e o diretor, Darren Aronofsky, falando de forma quase informal sobre os diferentes aspectos do filme (clique aqui se quiser ver). Há outra com Natalie Portman, de pouco mais de meia hora que é também bem interessante (ela responde a pergunta "Você chegou a discutir com o Aronofsky se você realmente morre no filme?", já aviso) - para ver, clique aqui.

Ps2. Também falei do Cisne Negro em outro post, mas rapidamente, comentando os indicados ao prêmio de montagem do Oscar.
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Atualizado em 29/03:
Uma ressalva: o vídeo que você vê acima não é o mesmo que eu tinha postado originalmente. O vídeo que eu tinha colocado acabou sendo tirado do ar e as únicas opções encontradas na Internet hoje em dia são vídeos oficiais da Fox. Há uma explicação para isso: enquanto Benjamin Millepie, marido de Natalie Potman e bailarino no filme, diz que a participação dela foi de pelo menos 85% nas cenas de dança, Sarah Lane, a dublê de corpo, fala que é algo como 5% (essas declarações vieram depois da premiação do Oscar, obviamente). No vídeo original dava para ver a troca do rosto de uma pela outra em pós-produção (daí porque eu falo no início, inclusive, sobre ela dançar ou não aquilo tudo). O vídeo atual continua interessante, mas substitui as cenas de dança por outras cenas com os jogos de espelho, em que se mostra o terror da personagem (efeitos para mostrar o irreal, o psicológico) mas não a dança e outros planos mais simples (aqui reais, em teoria). Aqui há mais informações sobre o caso, para quem quiser (em inglês).

quinta-feira, 10 de março de 2011

Quando o roteiro, a direção e a montagem são executados com maestria. (ou: as idéias por trás da primeira temporada de In Treatment)


Me deram alta. Hoje finalmente acabei de ver a primeira temporada da série In Treatment (aqui Em Terapia), produção da HBO (atualmente em cartaz em sua terceira temporada). Se você não conhece eis aqui uma rápida publicidade desta primeira temporada da série:



E se você não sabia, a série é uma adaptação de uma produção israelense feita três anos antes com basicamente os mesmos personagens e conflitos desta primeira temporada americana. Aqui a apresentação (mais detalhada que a anterior) da série original:



Algumas idéias que me fizeram ficar viciado na série:
1. O formato é genial. Episódios curtos, de menos de 30 minutos, que vão ao ar de segunda a sexta, cada um deles com o paciente do dia (o de sexta é para supervisão, ou seja, ele é o paciente). Isso não só é um fator viciante como dá um dinamismo bem grande à série; muitas vezes você se pega querendo pular uma semana para descobrir logo o que acontece com o personagem (o que eu na verdade não recomendo).

2. Há ali todo tipo de conflito: amoroso, profissional, familiar, etc. Cada hora você acha que tem mais a ver com um paciente (e um tipo de conflito) e isso costuma variar bastante ao longo da temporada.

3. O roteiro é primoroso. Diálogos objetivos, que conseguem prender e instigar o espectador ao mesmo tempo que garantem bom ritmo e soam naturais em quase todo o tempo (pelo menos para mim), tendo bom desenvolvimento ao longo da temporada.

4. Ao ver o filme Inception/A Origem, de Christopher Nolan, me perguntei se aquilo não poderia ser mais denso e mais perturbador (sendo também mais efetivo), entrando mais na cabeça (aqui também literalmente) dos protagonistas e expondo os conflitos, sem tantas explosões e tiros para tudo que é lado. Algo que seria no final das contas mais complexo e feito, possivelmente, de forma mais barata, já que você não cria tantas situações mirabolantes. Seria algo como o eXistenZ do Cronenberg, só que não tão viajado ou bizarro.

Pois bem, o In Treatment entra nessa categoria. Por que não gastar a meia hora do episódio focando apenas na interação entre as duas pessoas, em um ambiente fixo, sem maiores ações, flashbacks ou representações fictícias do que está sendo falado? Essa era a proposta da série e me parece extremamente efetiva. É dado ao espectador o poder da imaginação (assim como trabalha o psicanalista diariamente) e essa é a graça da coisa.

5. (e aqui chegamos ao tema central deste blog) A série é um ótimo exercício de direção e principalmente, de montagem. Ao trabalhar basicamente com diálogos, um único ambiente, sem maiores apoios cenográficos, com apenas dois atores, sentados, falando por meia hora, é preciso representar os movimentos que, em um processo psicanalítico, representam coisas -falam tanto quanto o diálogo- além de dar bom ritmo e prender o espectador.

Há dois pontos que me parecem especialmente representativos dessa idéia e que ilustram possivelmente as duas coisas mais complicadas do trabalho de montagem:

a. Ação/reação. Um exemplo claro disso tínhamos também nos filmes (também só de diálogos) Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-sol, dirigidos por Richard Linklater. Ao colocar duas pessoas também conversando durante toda a duração do filme, eles tinham que, a todo tempo, mostrar a pessoa que fala (e que sugere algo) e a que que reage (aceitando ou rechaçando algo). Mais que isso, eles tinham que representar em gestos o que não é dito: um olhar que provoca; um não que quer dizer sim; uma levantada de sobrancelha desconfiada. E aí está boa parte do trabalho do montador, sabendo quando mostrar a ação e quando sugerir a reação, durante um diálogo, optando cada hora por um plano diferente. A mesma preocupação existe na série.

b. Quebra de eixo/direção do olhar. Eis uma das coisas mais dificilmente explicadas em aulas de direção e que o montador tem que estar a toda hora atento durante o processo. Ao inverter o eixo da câmera, colocando ela numa posição oposta ao sentido em que estava (em relação à ação), mudam-se as direções de olhar e sentido da ação, confundindo o espectador. O que em geral se atém para não parecer um erro, na série é usado com sentido narrativo. Ao trocar de uma hora para outra o eixo da câmera, passando para o outro lado da ação (do ombro esquerdo para o direito do analista, por exemplo), os olhares dos personagens trocam de direção, fazendo com que estes assumam posturas diferentes. O que antes estava em uma posição de defesa (e olhava para a esquerda da tela em boa parte das vezes) passa a assumir posição de ataque, olhando para o lado oposto. É um fator desconhecido para boa parte do público (que não percebe como tal) mas que certamente acaba influenciado por este tipo de linguagem (ou ao menos temos a tendência a pensar que sim). Dá de qualquer forma uma intenção para cada plano (e aqui valoriza o trabalho do diretor), além de um ritmo e uma dinâmica muito interessante (e o do montador também). Fica muito mais legal analisar o diálogo quando você está ciente dessas coisas; e pode interpretar que papel cada personagem está desempenhando nos diferentes momentos da série.

Tá dada a dica. (se quiser, clique aqui para ver em streaming o primeiro episódio - e ficar viciado para sempre).