segunda-feira, 29 de março de 2010

Quando a montagem é a história

Engraçado ver um curta-metragem depois de ter feito o meu que poderia ser muito bem entendido como uma influência. No curta "Linia" do polonês Grzegorz Rogala, de 1981, vemos também jogos com a montagem muito interessantes em diferentes situações. Ele cria um elemento (a tal da "linha" do título) e através dela divide espaços e personagens, interage com as pessoas, cria novos ambientes...

Usa assim a montagem para criar elementos narrativos e brinca com o que é real ou não, enganando o olho do espectador. Mais uma vez a graça está em perceber os elementos que estão sendo criados em montagem e visualizar estes espaços compostos, criados através da interação com este elemento gráfico. Mais um produto do que chamo ser a "montagem visível" e que vai contra a idéia americana de que perceber a montagem é afastar-se da história. Aqui a montagem é a história.

Um curta interessante, com bom desenvolvimento, que utiliza os elementos específicos do cinema (seria difícil ou sem graça explicar a história literalmente) para mostrar situações novas, através de espaços urbanos conhecidos e situações cotidianas. Não se baseia em "o que vou fazer em frente à câmera" e sim "como vou usar o que acontece em frente à câmera".

Aproveite! (E sempre que quiser coisas legais em animação, uns vídeos diferentes com umas boas sacadas, procure os polacos. Nunca falha!)

sexta-feira, 26 de março de 2010

TV = Brainwashing

Para ilustrar o post de ontem (e o papel desempenhado pela TV mundial), vai aqui a foto de um graffiti encontrado em andanças por Athenas, Grécia.


Com a TV do jeito que vai, os índices de Ibope cada vez deixando os apresentadores mais surtados (Datena que o diga) e os temas mais bizarros possíveis, não resta outra alternativa que a esperança (abaixo em outra intervenção nas paredes da mesma cidade). E a pergunta: será que os produtores acham que o que eles colocam toda tarde é o que o público mais quer ver ou já que tá tudo ruim mesmo, melhor lutar para conseguir os picos de audiência, já que todo mundo troca de canal o tempo inteiro?


Sou da teoria que o Datena quer mesmo é vender seguro para carro, tranca para porta, anti-depressivos... As vehinhas que o acompanham certamente estão mais desgostosas da vida, se trancando cada vez mais em casa, instalando oito trancas diferentes na mesma porta, ligando preocupada para o neto quando este sai de um jogo de futebol, achando que não sabe porquê não veio ainda um ladrão na casa dela, roubou tudo, matou e estrangulou a pobre cidadã. Seria tão mais legal se estes mesmos produtores pensassem em fazer um programa bom e depois vissem se isso dá ou não Ibope... E nesse "programa bom" não precisa ser baleias estilo Discovery Channel ou programas educativos estilo Telecurso Segundo Grau. Há alternativas. (Deve haver pelo menos...)

(Para ver essas fotos e mais umas outras tantas de graffitis geniais que estão aí espalhados pelo mundo, recomendo o blog Vandalogy do amigo David, que chegou agora ao seu post número 100 só com fotos bacanas. Entra lá!)

quarta-feira, 24 de março de 2010

Shoptour embalado como reality show (ou: porquê o BBB é tão monótono e sem graça)

Para criticar é preciso conhecer. Isso é lógico. E é o que me impede em grande parte de fazer uma critica aprofundada sobre o onipresente Big Brother Brasil, atualmente em cartaz e em sua décima edição. Conhecer significa acompanhar um programa monótono e sem novidades, da qual estas dez edições não criaram novos elementos e sim repetiram fórmulas óbvias de sucesso. Ainda assim, com muito pouco já é possível conhecer os participantes, já que todo mundo só fala disso, eles estão nas homes de qualquer grande portal brasileiro e são de uma profundidade ímpar; com quinze minutos de qualquer programa você já sabe quem é o quê, faz o quê, desempenha que papel na casa. São personagens de um sitcom tosco mega produzido e patrocinado por milhões de marcas.

O gênero é indefinido. Humor tem muito pouco, drama tem o pior das novelas mexicanas, intriga é o que move 99 por cento do tempo (e se arrasta do início ao final com os mesmos motes), romance tem algum forçado ou induzido, já que a mega exposição e o Bial falando toda noite lembram constantemente aos participantes que eles estão na casa de todos os brasileiros. Programas gringos parece que deixam os participantes mais isolados, a ponto deles esquecerem uma hora que estão num ambiente controlado e passarem a agir algo mais naturalmente: tomam banho pelados, falam de forma mais natural, brigam menos encenados, fazem sexo sem muita preocupação. No Big Brother brasileiro, fazer sexo em frente às câmeras é algo como fazer sexo no quarto dos pais - com eles na cama ao lado (até porque o Bial leva o pai, a vó e o cachorro para o paredão toda semana). E daí que tudo fica mais artificial. O Big Brother gringo funcionaria assim mais como um experimento interessante de como funcionam as pessoas e como elas se adequam a um ambiente completamente anti-natural. As leis que regem o "universo" no início do programa viram outras completamente diferentes no final, a ponto dos participantes saírem meio malucos. Nesse caso, estaríamos mais dentro do filme "Cubo" (em que pessoas tinham que se juntar para decifrar enigmas de um gigantesco cubo assasino que ia se modificando com o tempo) do que de "Truman Show".

No Brasil não, tudo aqui é show. A Globo, com seu gigante departamento de choro (que pauta pelo menos 90 por cento de cada Jornal Nacional) gosta de mostrar a família do "emparedado" até que este se derrame em lágrimas; ficam eles (e nós) controlando o batimento cardíaco do "personagem", puxando as cordinhas: pouco batimento, mais família, mais lágrimas, mais batimento. A equação é simples e eficiente - a variável da equação é o que rege a TV Brasileira e que faz com que ela seja tão ruim como é: os famosos pontos do Ibope. Se na Inglaterra parece que já viram na mesma casa um político de direita e o líder dos Sex Pistols, aqui o que vemos é um bando de personagens planos e superficiais: piriguetes, marombados, popozudas e afins, que funcionam perfeitamente para alimentar os programas de fofoca dos concorrentes e futuras reportagens na balada de programas mais superficiais que eles mesmos. A Globo mesmo não aproveita quase nenhum desses participantes, até porque quem está no Zorra Total está lá há mais de 20 anos (isso sem contar as popozudas).

Fica então a pergunta óbvia: por que mostrar 24 horas de pessoas que não tem nada para falar, falando o tempo inteiro? Por que isso vende? E aí está a resposta, embrulhada em outra perspectiva. O que os participantes fazem não é vender o programa e sim vender o produto. Porque o que vemos na verdade é uma louca corrida ao merchand, esponjas de aço, motocicletas e lâminas de barbear competindo todos os dias para ver quem é que elas usam para vender mais (jogando um ou outro para o paredão, dando imunidade ou fazendo qualquer outra coisa sem importâcia). As provas são igualmente toscas e mal produzidas, até pelo espaço pequeno da casa; e o sorriso maroto de quem ganha e promete a moto para a vó, o tênis de correr para o cachorro ou a lâmina de barbear para a irmã bigoduda convencem o patrocinador, mas não o espectador. E nesse ponto, é melhor mesmo ter essas pessoas vazias e que "fotografam" bem vendendo os mais diversos produtos do que pessoas com um pouco mais de conteúdo - ou de respeito próprio, poder de crítica ou qualquer coisa do tipo.

O Big Brother Brasil mostra isso...

quando na verdade quer mostrar isso...

...para vender isso.

Conclusão: os participantes que fazem o programa chato ser ainda mais chato servem bem ao propósito máximo do programa, que é vender produtos. E nesse "vender o produto" vale ter as mais diferentes marcas movimentando a rotina da casa e passando por cima até de situações mais relevantes ou mais divertidas. É quase como se víssemos o comercial e trocássemos de canal quando começa o programa. O BBB é assim, no final das contas, um formato muito interessante usado em um programa monótono e sem novidade, da qual o público, por razões diversas, vira fã de carteirinha (Por marketing da emissora? Por interesse em saber o final da história? Por que não tem mais nada para fazer? Porque todo mundo -internet, pessoas no bar, outras emissoras - só falam nisso?) . Missão cumprida (ou comprida) para azar de todos.


Uma matéria que me pareceu mais lúcida, em meio às milhões de matérias caçadoras de pageviews dos tantos portais brasileiros é essa
aqui, de Mauricio Stycer, crítico do Uol, intitulada "Por que o Boninho busca a fama de mau?". Outra das coisas que não consigo entender é o diretor comentando quem gostaria que ficasse ou saísse no próprio twitter, que parece que acontece direto. Ele tenta assim mostrar que eles não manipulam o programa, fazendo algo completamente sem sentido. Acho que a idéia de chamar tantas personalidades do twitter para essa edição é tentar fazer com que estes não postem, para o diretor reinar soberano entre os adolescentes. Deve ter tido muitos lanches roubados na infância o pobre diretor de TV.

terça-feira, 23 de março de 2010

Punto y Raya Festival (ou: como fazer bons vídeos com poucos elementos)

Outro festival de curta-metragens que se apóia na montagem e também sugere novas possibilidades de vídeos é o interessantíssimo "Punto y Raya Festival" (ou Festival do ponto e traço). Surgiu em Barcelona, Espanha e já vai ter edições este ano aqui perto da gente, na Argentina, no Chile e no Peru (ainda sem previsão para uma edição brasileira). A idéia do festival é bem simples (segundo a descrição da página do festival):

"O festival que ganhou o título de 'mais abstrato do mundo' explora as possibilidades criativas do ponto e da linha em diversas esferas da ciência, arte e pensamento. Nada de figuração, somente pontos e linhas como matéria-prima".


Dentro desse conceito temos curtas-metragens, pequenas peças mais próximas da videoarte, videoclips, instalações, apresentações de VJs, vinhetas... É legal que o festival, em cima de um conceito minimalista, acaba sendo bastante inovador, até porque se baseia bastante em possibilidades de design e inovações no uso dos softwares de pós-produção. Mais que texto, diálogo e atores, aqui o que vale é a sacada, a idéia, o ritmo, o visual. Aí embaixo você vê o que rolou na edição do ano passado, que contou com toda essa mistureba aí. E logo depois, o interessante vídeo "Sonar" de Renaud Hallée, elogiado pela página do facebook do festival e que ilustra bem o conceito deles. Como os próprios dizem no "manifesto": "Se você acredita na causa e tem censo de humor... junte-se!"




Sonar from Renaud Hallée on Vimeo.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Disposable Film Festival (ou: como transformar qualquer imagem em movimento em um curta-metragem)

Quase todo computador, celular, câmera fotográfica e afins hoje em dia tem uma câmera de vídeo acoplada. Além desses, existem outros métodos pouco ortodoxos de capturar imagens em movimento, seja pelas câmeras de segurança que existem em tudo que é lado (e sabe deus se existe mesmo alguém por trás de cada uma dessas câmeras) ou mesmo pela gravação da tela do computador, em screen capture. A idéia do interessante "Disposable Film Festival" é usar qualquer tipo de imagem em movimento para produzir curtas-metragens. É o famoso "o conceito é mais importante que o visual".


"Let's face it - we live in an age of disposable film. Now it's time to do something creative with it."

Interessante e democrática idéia do festival, que abre a possibilidade de qualquer um com certo conhecimento tecnológico e uma idéia na cabeça virar cineasta. Acho legal quando a idéia de um festival gera novas possibilidades de histórias. Ainda mais quando o que importa não é muito o "que" está sendo contado e sim "como". E muitas destas possibilidades tem logicamente a ver com um bom uso da montagem.

Abaixo o teaser explicativo do festival. E depois um curta que participou na última edição, feito por alunos da USC americana, todo feito com um... scanner! (Mais infos aqui).




sexta-feira, 12 de março de 2010

Planos e cortes - a confusão entre quem faz o quê.

Só mais uma coisa sobre o Oscar e o prêmio de edição que aconteceu no último final-de-semana. Dessa vez, não sobre os filmes indicados e sim sobre a própria premiação.

Esse ano achei legal o jeito educativo que o Oscar tratou as diferentes categorias. Colocaram uns tantos clips para mostrar os bastidores do cinema, para explicar melhor o que faz cada profissional envolvido e porque cada um deles merece ser premiado afinal de contas.


Para o prêmio de edição colocaram o figura acima, o tal do Tyler Perry (ator, diretor e produtor conhecido por lá - produtor executivo do filme "Preciosa" inclusive) para apresentar o prêmio, fazendo uma brincadeira que tinha a idéia de ilustrar um pouco melhor o quê faz o editor de cinema. Na apresentação ele falava que o editor escolhia e selecionava entre os diferentes planos filmados pelo diretor. E daí começava a brincar com a história dos planos, saindo do seu plano médio para um mais aberto, um de cima, um do público ou um que seria de bastidores, onde os apresentadores Steve Martin e Alec Baldwin viam a premiação pela televisão. O jogo com os diferentes planos foi educativo e interessante. Mas não serviria mais para ilustrar o quê faz o diretor e não o editor?

É mais uma coisa dessas feitas para confundir todo interessado por cinema sem conhecimento específico, que acaba achando que o diretor só dirige os atores ou que se o filme tem imagens bonitas ou paisagens exuberantes é porque tem boa fotografia. O diretor de fotografia trabalha basicamente com luz, criando os ambientes e chegando à imagem pensada pelo diretor, usando para isso lentes, filtros e coisas do tipo. O diretor pensa sobretudo em planos e quebra as diferentes ações descritas no roteiro em uma série de situações com enquadramentos diferentes, para que juntos (em edição) virem um filme como conhecemos. Também funciona logicamente dirigindo os atores e servindo como uma visão central de todo o projeto, dando coordenadas para que os diferentes setores (figurino, arte, maquiagem, etc.) trabalhem em paralelo, ilustrando a sua visão da história. O editor tem essa tarefa ingrata então de juntar um monte de material algo desconexo (até porque dificilmente filmam na mesma sequência descrita no roteiro) e chegar ao formato final. Mais que isso, ele seleciona, corta, junta as diferentes imagens e também manipula elas, criando outras linguagens ou chegando a diferentes resultados visuais. Alguns dizem que um filme é escrito três vezes: no roteiro, na filmagem e na edição.

De qualquer modo, é difícil a tarefa de mostrar o que é edição cortando câmeras em um programa ao vivo. Eu preferiria que mostrassem o que é edição através de uma matéria ou clip, que nem eles fizeram para as outras categorias, e aí sim bem editado. Mais ou menos como o vídeo abaixo usa o 3D e o vídeo para mostrar o que está por trás da produção de 3D e de vídeos. Muito mais legal se você usa os próprios recursos para explicar direito o que faz.



Para ver um pouco mais sobre os cinco filmes indicados ao prêmio, comentados pelo editor Michael Tronick (editor de filmes tão diferentes como "Perfume de Mulher", "S.W.A.T." ou o show dos Jonas Brothers em 3D) recomendo este vídeo do canal do Oscar no Youtube. Ele não fala de nenhum aspecto mais técnico nem faz uma análise muito profunda. Ainda assim é interessante ver sua opinião sobre os indicados e lembrar de algumas boas cenas dos filmes (como a do limpador de parabrisa do Guerra ao Terror). Como eles não me deixam publicar direto no blog, clique aqui para ver o vídeo no Youtube.

terça-feira, 9 de março de 2010

O Oscar de edição de "Guerra ao Terror". (ou: porque mais uma vez o prêmio para a Edição não fez muito sentido)

E não é que quem ganhou o Oscar de Edição foram Bob Murawski e Chris Innis pelo seu trabalho em "Guerra ao Terror" da diretora Kathryn Bigelow? Sou mais um a arriscar palpites e a acabar errando (como todo mundo neste ano). O que mais me incomoda na verdade é que, de todos os indicados, acho que eles eram os que menos mereciam ter ganhado o prêmio na categoria. E isso não quer dizer que eu não tenha achado o filme bom ou que ele não merecesse os prêmios das outras categorias.


O filme é interessante, o tema é atual e relevante (o que explicaria o Oscar de roteiro original), tem planos belíssimos e boa direção de atores em uma crítica eficaz (o que explicaria os prêmios de direção e filme) e o tema bélico sempre usa ótimos recursos sonoros para fazer o público se sentir dentro da ação (o que explicaria os outros dois prêmios - mixagem e edição de som - que andam em geral juntos). Mas o prêmio de edição, como escrito no post anterior, acabou saindo em função dos outros dois prêmios principais (direção e filme), praticamente uma regra de toda edição do Oscar. Ou seja, é o pensamento de que se o filme é bom e bem dirigido, ele é consequentemente bem editado. Nisso está também a idéia implícita de que quem manda na edição é o diretor - o que é verdade em parte. O editor depende obviamente da visão e da opinião do diretor para fazer seu trabalho e aprovar boa parte das escolhas que faz (isso quando o diretor não é vetado do processo pelos produtores, o que era uma regra no cinema clássico americano). Mas acho que um prêmio de edição deve premiar aqueles profissionais que usaram o meio com mais eficiência; que criaram melhores linguagens usando seus recursos específicos; que conseguiram criar um ritmo próprio em montagem, não dependendo apenas do ritmo das imagens filmadas.

A edição de "Guerra ao Terror" está em função da história e pouco aparece; é completamente invisível, mais até que em Avatar, onde os efeitos 3D cobravam obrigatoriamente sentido. Cria um bom ritmo e o filme é bem eficiente, mas não há nada feito magistralmente ali na minha opinião. No início do filme ainda pensei que fosse ver algo mais inovador, já que a tensão da cena inicial é muito bem representada. Nela vemos o bom uso da imagem gravada pelo robozinho que faz a busca por bombas intercalada com imagens dos soldados que o controlam (por joystick) e imagens que localizam os personagens no contexto (a Guerra e a rua em que se encontram). A direção é eficiente, a sequência é bem ritmada e culmina na explosão, onde vemos muitos planos de detalhes e o salto do soldado em um bom jogo de ritmos (slows e fasts) que lembram bons momentos dos filmes de Guy Ritchie, como o início de "Jogos, trapaças e dois canos fumegantes".

Mas passada essa cena, a edição passa a ser mais burocrática, criando os climas e ritmos sem interferir muito, apenas mostrando as diferentes situações que vão acontecendo no passar do filme. É eficiente mas não é magistral, repito. Um filme da mesma temática, também atual e que trabalha todos esses recursos de forma muito mais eficiente é na minha opinião o "Redacted" do Brian De Palma (de 2007). Ali sim vemos o uso de diferentes formatos de gravação (de handcams dos soldados à câmeras de segurança dos lugares por onde passam) e ritmos completamente diferentes ao longo do filme (de um possível documentário feito por diretores franceses à uma colagem das imagens gravadas pelos próprios soldados, cada um com suas próprias características). Uma das coisas mais legais dos softwares atuais de edição é justamente que eles permitem essa integração de diferentes mídias (no filme aparece em alguns momentos até páginas da internet com vídeos), coisa difícil de integrar nas antigas moviolas. (Detalhe: "Redacted" não foi sequer indicado ao prêmio de edição e foi completamente ignorado pela academia no ano em que deveria participar).

Qualquer um dos três filmes (Preciosa, Bastardos Inglórios e Distrito 9) sabe usar melhor os recursos de edição na minha opinião (como falado no post anterior) e Avatar consegue propor uma nova forma de usar os efeitos e o processo- e faz isso bem. Bob Murawski e Chris Inis, editores de "Guerra ao Terror" fizeram um bom trabalho mas ganharam o prêmio por estarem no lugar certo na hora certa. O Prêmio de edição do Oscar pareceu mais uma vez não fazer sentido.

Para concluir, fiquem então agora com o videoclip de "Wrong Way" (não confundir com o caminho que o Oscar escolhe para premiar seus indicados) da banda americana Sublime. O quê tem a ver? Foi editado pelo Bob Murawski, um dos editores do filme, segundo me diz o Imdb. No clip vemos, aqui sim, muitos recursos de edição: composições de plano, algumas texturas nas imagens, (d)efeitos especiais... Mal empregados na minha opinião (e de forma bastante gratuita).




Em tempo: Um ponto que me parece curioso dessa edição do Oscar para nós brasileiros é o fato de "Guerra ao Terror" ter sido o grande vencedor justamente na noite em que se homenageava o gênero Terror. Parece irônico, não?

quinta-feira, 4 de março de 2010

O prêmio de melhor edição do Oscar (ou: porque Avatar leva a estatueta)

Neste domingo acontece a tão esperada cerimônia de entrega do Oscar americano. Na categoria edição concorrem: "Guerra ao Terror" dirigido por Kathryn Bigelow, "Bastardos Inglórios" de Tarantino, "Avatar" de James Cameron, "Distrito 9" de Neill Blomkamp e "Preciosa- Uma história de esperança", de Lee Daniels. Todos esses, com exceção do sul-africano Neill Blomkamp, também concorrem ao prêmio de direção (no lugar dele entra Jason Reitman com seu "Amor sem escalas"). E todos estes (e mais alguns) concorrem ao prêmio de melhor filme do ano (que conta agora com a indicação de dez filmes).


De todos, só não vi ainda o "Guerra ao Terror" mas mesmo assim me parece óbvia a previsão do vencedor; o próprio James Cameron subirá para receber o prêmio ao lado dos outros montadores: Stephen E. Rivkin e John Refoua. Além desse prêmio, aposto (não sozinho, obviamente) que Avatar ganhará uma coleção de estatuetas, assim como foi treze anos atrás com seu "Titanic". E isso se deve a duas razões muito simples: Avatar é uma revolução tecnológica; e representa um sucesso de bilheteria em tempos de crise. É assim um filme importante tecnicamente ao mesmo tempo que é importante economicante (para a Indústria do cinema).

Me parece curioso que um filme feito especialmente para o 3D ganhe o Oscar de edição. Explico: no 3D não se pode inovar em muitos aspectos estéticos e ele dita ritmos e cadências muito específicos. Não se pode por razões óbvias ter divisões de telas, cortes muito rápidos de um plano a outro, fusões - na medida do possível-, e a própria mudança de um plano a outro deve ser meticulosamente estudada. Isso porque qualquer um desses recursos pode confundir ainda mais o olho do espectador e deixá-lo realmente mareado. Aqui, no 3D, a montagem é quase que obrigatoriamente invisível; não é preocupante que só afaste o espectador da história, como que afaste dessa "experiência mágica", similar às montanhas-russas e parques de diversão em que o 3D tanto se apóia.

O Oscar que Avatar deve ganhar será por razões puramente técnicas. Cameron criou tantos elementos tecnológicos para fazer sua "Pandora" possível que de certa forma, ele mudou a forma como os editores se relacionavam com o processo de edição e como os mundos real e 3D se integravam (tanto na pós como na própria gravação do filme). Os editores trabalharam com uma quantidade ainda maior de materiais e com uma gama realmente maior de possibilidades. Nessa integração entre o que é filmado e o que é produzido em computação gráfica, os editores podiam escolher takes diferentes de cada ator para um mesmo plano em que eles apareciam juntos, já que o que importava era o áudio e a referência dos pontos gravados no motion capture (ou captura de movimentos), por exemplo. O sistema de câmeras que ele projetou inclusive permitia ao ator ver em tempo real como seria a sua integração ao ambiente 3D. Filmes com computação em geral trabalham a gravação e depois criam tudo em computação gráfica. Aqui, as duas coisas eram feitas quase que simultaneamente.

No site da Wired, uma série de vídeos explica melhor os conceitos por trás dessas tecnologias. Abaixo, a explicação relacionada ao que acabo de dizer, nas palavras dos próprios montadores.



Uma razão a mais para crer que o filme ganhará a estatueta de edição é que se avaliarmos os vencedores das edições passadas do Oscar veremos que em geral edição, direção e melhor filme andam bastante juntos. Isso se dá muitas vezes porque as pessoas não conseguem avaliar direito a edição do filme e acabam achando que se um filme é bom e a direção funciona é porque a edição também é boa. Dificilmente um filme ruim será vencedor dessa categoria, mesmo que seja feito de forma extraordinária. E nisso há o pensamento dominante em Hollywood (e que eu já levantei em outros posts aqui do blog) que a boa edição, premiável no Oscar, deve ser transparente; não deve aparecer ao espectador. Um interessante artigo do New York Times de 2008 explica melhor essa questão - para ver clique aqui.

Este ano me chamou especialmente a atenção a edição do filme "Preciosa". Nele vemos o uso de muitos recursos de edição cobrando sentido narrativo, como a fusão para o mesmo plano em dois momentos diferentes tentando entrar no desespero da protagonista; algumas composições dentro do plano, quando é simulada a fantasia que a protagonista cria em algumas situações; e até essa relação entre realidade e fantasia faz com que a edição assuma características muito diferentes para representar as duas situações. "Bastardos Inglórios" joga com muitos recursos já conhecidos do universo de Tarantino, mas dessa vez muito mais discretos do que em "Death Proof" ou "Kill Bill", por exemplo, em que a provocação e os experimentos iam muito mais longes - e por isso acho mais interessantes (esses filmes nem chegaram a ser indicados para o Oscar em seus anos nessa categoria). "Distrito 9" usa bem o formato de falso documentário e o ritmo em edição ajuda muito a entrar na história e comprar a mentira. Jogando com diferentes formatos, misturando imagens caseiras com imagens filmadas da história e imagens que supostamente seriam da imprensa, ele sabe jogar bem com seus recursos e também é bastante inovador nesse sentido. Senti falta da indicação de "Amor sem escalas" para esse prêmio, já que até o diretor está concorrendo em sua categoria; este é um filme que consegue criar sequências bem interessantes de edição - como logo ao início, cortando diferentes momentos em aeroportos dos protagonistas e suas malas - e tem bom ritmo - o ritmo das conversas entre George Clooney e Vera Farmiga são impagáveis.

Conclusão: entre todos esses, que usam a montagem de uma forma mais visível, e Avatar, que se pretende completamente invisível, o que veremos deve ser uma vez mais a consagração do invisível. Mas dessa vez, por razões completamente compreensíveis.

(Para se aprofundar no tema, recomendo essa reportagem, que também trata do mesmo tema).

quarta-feira, 3 de março de 2010

As idéias por trás do meu People Change (ou: transformando teoria em prática)

Em setembro do ano passado concluí um curta-metragem em Barcelona que em teoria funcionava como a parte prática da minha tese de mestrado. A tese tinha como tema o que eu chamei ser "Montagem Visível" (ou a montagem cinematográfica que é percebida pela audiência) e como ela acaba sendo um elemento narrativo a mais, algo interessante, que fascina o espectador. Diferente da visão que muitos têm de que a montagem quando é percebida distancia o espectador da história. Como exemplos de diretores que sabem usar bem esse recurso poderiam estar: Eisenstein, Godard, Oliver Stone, Greenaway, Gondry, Tarantino, Lars Von Trier, Aronofsky, Kusturika, Guy Ritchie, entre muitos outros.

O curta para mim funcionava como um diálogo entre o "Tango" de Rybczynski (comentado aqui) e o "Intervals" de Peter Greenaway (veja abaixo), dois bons exemplos do uso da montagem em curta-metragens.



Do primeiro tiro a idéia que eu já discuti aqui no blog, de se pensar dentro do quadro (a tal da Montagem Vertical), alterando e manipulando as imagens capturadas em um plano fixo. Do segundo tiro a idéia de usar um material meio aleatório para isso, no caso, as pessoas que passam do outro lado da rua, os carros que cruzam, as situações cotidianas que acontecem em frente da câmera e que nós não temos controle (próximo à lógica do documentário). Tudo isso usado para o fim de ilustrar alguns pontos da tese e assim, acaba servindo de exemplo de como um montador consegue gerar elementos narrativos apenas manipulando os diferentes recursos dos softwares de edição. E nisso há slows, fasts, composições de imagens, animações de diferentes estilos. Achei legal chegar na hora da edição apenas com uma idéia inicial do que pode ser feito e ir com o tempo encontrando significado no cruzamento entre as diferentes coisas que aconteceram em frente da câmera.

O curta acaba de ser selecionado para a interessante Mostra do Filme Livre, que acontece este mês no Rio de Janeiro e previlegia o cinema independente, alternativo, livre das tais leis de incentivo (ver a página do festival aqui). Por isso não está disponível na Internet (desculpa!); a exclusividade deve ser dos tais festivais. Mas deixo vocês com algumas imagens dele abaixo, para que possam visualizar (ou imaginar) um pouco melhor o que acontece.

Para fazer o curta contei com a essencial (e genial) ajuda de Gustavo Junqueira na captura de imagens; animação de André Berger, Bruno Bertogna, Edgar R. Pinho, Julia A. Baranguán, Paty Blumenthal e Thiago Assan Piwowarczyk; e música de Fábio Massa.

Gostaria então de agradecer nesse espaço à Mostra do Filme Livre, por apostar nesta idéia, e a todos estes que fizeram com que o curta-metragem ficasse tão legal como ficou.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Montagem e video-games (ou: como fazer um curta-metragem de ficção científica com 500 dólares)

Continuando o tema de como a montagem é amiga do baixo orçamento, temos aqui mais um bom exemplo, dessa vez um curta-metragem de ficção científica. O curta "Scape from City-17" dos Purchase Brothers (nome curioso inclusive) é mais um caso de como se apropriar das novas tecnologias e misturar diferentes elementos para fazer um produto com uma cara extremamente inovadora mas feito de forma simples e barata. Aqui a graça é saber jogar com os elementos que estão disponíveis na Internet (de domínio público, leia-se) e saber integrá-los nos softwares de edição e produção 3D. Baseado totalmente na estética do video-game Half-life e usando assets (que são qualquer coisa existente nos jogos, de fundos e texturas a modelos 3D dos personagens e lugares, em geral acessíveis a quem sabe manipulá-los) exportados do próprio jogo, os irmãos souberam misturar esses elementos com imagens rodadas por eles em locações no Canadá para criar essa história futurística (que mais funciona como um teaser de outra história na verdade - daí até o parte 1 que eles colocam).


O que falha em tudo isso é justamente a história contada. Ao contrário de filmes antigos de ficção científica caseiros em que poderíamos ter histórias muito boas com efeitos risíveis, já que estes eram muito caros de serem produzidos, o que vemos agora é o contrário: a história não é mesmo o que eles mais querem passar; o objetivo aqui é chamar atenção para o fato de que eles conseguem convencer o público e fazer filmes muito interessantes visualmente com pouquíssimos recursos. O que levando em conta o cenário atual de Hollywood, em plena crise, parece uma idéia realmente interessante de se ter.

O curta funcionou e a atenção que eles conseguiram foi tanta que já foram chamados pelos criadores do game para futuros projetos, já estão pensando na continuação e até na possibilidade da ampliação deste universo para um possível longa-metragem. A mesma estratégia foi feita pelo sul-africano Neil Blomkamp, que com um curta (e uma excelente idéia e roteiro) conseguiu atrair a atenção de Peter Jackson (diretor da trilogia "O senhor dos anéis") para daí filmar o interessante Distrito 9, que concorre neste domingo ao Oscar de melhor filme, melhor edição e melhores efeitos especiais (entre outros). Por falar em Distrito 9, os irmãos diretores já até fizeram uma propaganda da Coca-cola (não Corta-e-cola, não confundam) onde mais parece que a nave do filme original foi substituída por gigantescas latinhas do refrigerante (que até se reproduzem, gerando pequenas latinhas voadoras).

A conclusão de tudo isso é que coisas realmente interessantes estão aparecendo no Cinema mundial, vindas de diferentes partes do globo por pessoas novas e que simplesmente sabem ter boas idéias (não necessariamente têm muito dinheiro) e sabem fazer isso sozinhas, sem esperar que um grande estúdio ou lei de incentivo (no caso brasileiro) caia no colo patrocinando a mirabolante idéia. E boa parte dessas idéias estão associadas a um uso inovador do processo de edição. É o postulado punk do Do It Yourself (DIY) associado ao cinema atual.

O curta você vê abaixo. Para saber mais sobre ele, veja a matéria publicada no site da Wired. A propaganda da Coca-cola feita por eles você vê aqui.